É triste olhar para trás e saber que pouco realizei em muito tempo. Os cinqüenta anos pelos quais passei, pouco foram proveitosos. Se dissiparam no vento da vida e agora são pouco mais que uma reles névoa nesse conjunto torturante de imagens que as pessoas chamam de memória.
Não é de hoje que percebo a ausência de algo que valha a pena ser contado e exaltado em uma mesa repleta de ébrios cantantes... Desde meus jovens trinta, passeio pelos bares e vejo que nada tenho a acrescentar nas experiências de outros. Quase nenhuma palavra, nenhuma história inventada que se preze... nada...
No começo me deprimi. Pensei no suicídio, vislumbrava o chão do alto de meu décimo andar e ele me seduzia, chamava pelo meu nome da mesma forma que uma cortesã chama seu cliente, seu alvo, seu amante. Mas logo perdi o interesse, achei que seria algo mais ofensivo à vida se me mantivesse nela. Já que a morte me cortejava com olhos desejosos.
Continuei a existir por mais algumas décadas. Uma vida parada, sem emoções, uma vida monótona e sem graça, sem amores... sem calores... uma existência breve que não deixará nada, nem riqueza, nem tristeza de mulher amada.
Fica apenas um par de sapatos, velhos e bem gastos. Vou deixá-los aqui, ao lado de sua porta, onde pode pegá-los quando me for embora. São um presente, assim como essas palavras. Um presente... de um homem sem história.